As dores do crescimento
Aumento da nota de classificação de risco dada ao Brasil pela Fitch, apesar de positivo, contribuirá para valorizar ainda mais o Real, prejudicando a indústria nacional
Por Carlos Giffoni e Elisa CamposNão se desenvolve a economia de um país impunemente. A elevação da nota dada ao Brasil pela agêcia de classificação de risco Fitch Ratings, anunciada nesta segunda-feira (04/04), seria recebida com pulos de alegria por parte do governo alguns anos atrás, como o foi quando o país conquistou o “grau de investimento” da agência em maio de 2008. Desta vez, no entanto, a passagem de BBB- para BBB foi recebida com um sorriso tímido e também preocupado por parte do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Não sem motivo. O governo tem se esforçado, sem sucesso, desde o final do ano passado para deter a valorização do Real. O aumento da nota brasileira pela Fitch contribuirá para uma fortalecimento ainda maior da moeda nacional, prejudicando a indústria do país.
Ao comentar o upgrade, Mantega disse tratar-se do “reconhecimento de que a economia brasileira está cada vez mais sólida”, porém, admitiu que a elevação do rating representa um “certo problema”. “A notícia é surpreendentemente boa, especialmente quando se vive um momento de crise fiscal tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, mas ela cobrará um preço no curto prazo: a valorização do Real”, afirma Ernesto Lozardo, professor de economia da FGV-EESP.
O raciocínio é simples. O já palpável aumento da confiança no Brasil, referendado agora por uma agência de classificação de risco como a Fitch, é a chancela para os investidores estrangeiros, especialmente para os milionários fundos de pensão, de que o país é um território seguro para investir, sem risco de calote. O resultado: mais capital estrangeiro entrando no país, tanto para especular como para produzir, e, inevitavelmente, valorização do Real. A atual trajetória de alta da Selic, inevitável para domar a inflação, só piora o cenário, tornando o Brasil ainda mais atraente.
O fortalecimento da moeda nacional, por sua vez, faz com que as importações brasileiras percam competitividade no cenário internacional e aumenta o consumo de produtos importados, que ficam mais baratos. Um golpe duro para a indústria nacional. “Os efeitos negativos para a indústria, principalmente em setores mais frágeis como o têxtil, de calçados e eletroeletrônicos, podem causar o aumento do desemprego”, analisa Lozardo.
Próximos passos
Essa situação não deve ser revertida no curto prazo, muito pelo contrário. Com a melhora da classificação brasileira pela Fitch, a tendência é que outras agências como a Moody’s e a Standard & Poor’s também reavaliem a nota do país, agindo de maneira coordenada, ainda que não simultaneamente. “A conjuntura no Brasil está tão favorável, temos tantas condições de cumprir com nossos compromissos, que nós nos tornamos uma aposta certeira para essas agências”, diz Celso Grisi, professor da FEA-USP.
O governo, que já vinha adiantando que tomaria mais medidas para evitar a alta do Real, terá que agir mais fortemente. “No curto prazo, o governo precisará tomar medidas paliativas, como o aumento da tributação sobre o capital estrangeiro de curto prazo. Uma solução efetiva para o problema, no entanto, só virá no longo prazo, com o estabelecimento de uma política industrial sólida, para equilibrar a demanda com a capacidade produtiva e dar a infraestrutura necessária ao país para absorver o capital estrangeiro. O Brasil investe muito pouco. Enquanto a China investiu 48% do PIB em 2009, aqui foram investidos apenas 16,7%”, afirma Otto Nogami, professor do Insper. O aumento da tributação sobre os bens de consumo importados também é uma das cartas que está na mesa.
Por ora, as medidas tomadas por Brasília não têm surtido o efeito esperado. Nesta segunda, O dólea fechou com queda de 0,19 %, cotado a R$ 1,609, o menor valor desde agosto de 2008. No ano, a moeda acumula desvalorização de 3,31%. Para André Sacconato, diretor de pesquisas da consultoria Brasil Investimentos, os esforços, entretanto, estariam, sim, funcionando. “Questionam a valorização do real e a postura do governo. A pergunta a ser feita é: quão desvalorizado estaria o dólar se não fossem essas medidas?”.
Apesar dos poréns, a decisão da Fitch deve ser, sim, comemorada. Ao atrair mais investimentos para o país, o Brasil ganha recursos para se desenvolver e as empresas que estão na bolsa, mais facilidade para se capitalizar. “Grandes fundos de investimentos estão de olho nessas classificações. Cada ponto positivo é notado”, diz Sacconato. Com isso, as empresas brasileiras também ficam habilitadas a conseguir empréstimos a custos mais baixos e, quando pretendem lançar títulos fora do país, encontram um cenário mais favorável, uma vez que passam a ser associadas a um “ambiente econômico de baixo risco”, afirma Sacconato.
Governo Dilma
Se do ponto de vista econômico o aumento da nota brasileira pela Fitch traz boas e más conseqüências, do ponto de vista político ele poderia ser comemorado como um gol de placa pela presidente Dilma Rousseff. A melhoria da classificação é, implicitamente, um voto de confiança a seu governo, que vive sob certa desconfiança do mercado em relação à capacidade de realizar os cortes de despesa necessários para o crescimento sustentável do país. Para Grisi, da FEA-SP, a decisão da Fitch “revela o crédito que a comunidade internacional deu à transição do governo Lula, mais populista, para um governo mais técnico. A nova avaliação soa como um elogio ao governo Dilma”. Resta saber por quanto tempo o mercado irá manter o clima de lua de mel.
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